A ética e o social

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Eduardo Fiora

Na semana que se seguiu à reunião da Audiência Pública Regional para a definição do Orçamento 2006 da cidade de São Paulo, a equipe de reportagem do Jornal da Gente saiu às ruas, para ouvir das comunidades quais as principais demandas que, segundo elas, precisariam ser contempladas nos bairros do Jaguaré, Lapa e Leopoldina. Ao circularmos de carro ou a pé, por avenidas ou vielas, constatamos os grandes contrastes que marcam a cidade de São Paulo. De um lado o imponente cenário do crescimento verticalizado, com edifícios de luxo sendo erguidos, muitas vezes, em áreas onde até bem pouco tempo existiam grandes galpões industriais. Do outro, a expansão horizontal das submoradias na Leopoldina e no Jaguaré. Isso sem falar dos moradores de rua que buscam abrigo debaixo de marquises ou viadutos da região.
Das imagens que registramos nesse nosso giro, uma das mais marcantes foi a da infância excluída. Meninos e meninas, recém nascidos ou em idade escolar, vivendo em situações de risco, e, em muitos casos, ainda distantes dos tão propagados programas sociais, que, teimosamente, perpetuam uma política pública assistencialista em detrimento da verdadeira prática de inclusão social.
Foi fácil perceber a linha que separa uma quase plena cidadania daquilo que significa não ser cidadão. Duro, no entanto, foi ouvir, no caminho de volta, o tamanho do assalto aos cofres públicos paulistanos, que segundo o Ministério Público, foi perpetrado por administrações anteriores. Os bilhões de reais que alimentaram contas em paraísos fiscais talvez jamais sejam repatriados, aumentando a grande dívida social da maior cidade da América Latina.
Diante dessa sangria de recursos, que se soma ao maquiavélico esquema do “valerioduto”, entramos no terreno da ética, sobre o qual tive a oportunidade de refletir durante a estréia da peça “A Audiência”, no Sesi Leopoldina. O texto do tcheco Vaclav Havel nos coloca no limite fausteano de vender ou não a alma ao diabo. No Planalto Central, Faustos da nossa política negociaram seus espíritos, levando consigo algo que não lhes pertencia: o dinheiro público. Se, de fato, não tivermos a oportunidade de resgatar esse patrimônio, que, pelo menos nas urnas, saibamos dar o troco, condenando os traidores a um infernal ostracismo político.

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