Política dos pobres

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Um dos mais respeitados nomes da intelectualidade brasileira, o geógrafo Milton Santos, falecido em 2001, ao comentar sobre pobres e miseráveis costumava dizer o seguinte: “A miséria acaba por ser a privação total, com o aniquilamento, ou quase, da pessoa. A pobreza é uma situação de carência, mas também de luta, um estado vivo, de vida ativa, em que a tomada de consciência é possível. Miseráveis são os que se confessam derrotados. Mas os pobres não se entregam. Eles descobrem, a cada dia, formas inéditas de trabalho e de luta. Assim, eles enfrentam e buscam remédio para suas dificuldades”.
Quem como nós, até por dever de ofício, se propõe a analisar o quadro de crise social – em áreas da Leopoldina, Jaguara, Jaguaré e Lapa de Baixo -, encontra vários elementos que sustentam a tese do geógrafo, no tocante à pobreza.
Sem contar com políticas públicas que levem à verdadeira inclusão social, e pressionados e marginalizados por certos setores da sociedade, que sentem verdadeira repulsa pelos menos favorecidos, os pobres, que moram ao lado da gente, ainda encontram forças para sobreviver. Expulsos de áreas que o zoneamento da cidade reservou para a inclusão social, eles buscam reconstruir suas vidas em outros lugares. Literalmente varridos de calçadas em frente a antigos galpões industriais, eles se acomodam na esquina mais próxima. Removidos de seus barracos, e ouvindo vagas promessas oficiais de moradias dignas, que vão ser entregues sabe-se lá quando, eles se mobilizam na construção de improvisadas malocas.
Realocada ainda nos bairros da gente ou levada a tentar a sorte em zonas distantes, essa massa sem cidadania parte para a batalha da sobrevida, diante da qual vale a pena, mais uma vez, evocar Milton Santos. “Haverá quem descreva o quadro material dessa batalha como se fosse um teatro, quando se fala, por exemplo, em estratégia de sobrevivência. Mas, na realidade, esse palco junto com seus atores constitui a vida concreta da maioria das populações. A cidade, pronta a enfrentar seu tempo a partir do espaço, cria e recria uma cultura com a cara do seu tempo. É dessa forma que, na convivência com a necessidade e com o outro, se elabora uma política: a política dos de baixo, constituída partir de suas visões do mundo e dos lugares. A política dos pobres é baseada no cotidiano vivido por todos, pobres e não pobres. Ela é alimentada pela simples necessidade de continuar existindo”.

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