EDUARDO FIORA
Na próxima quarta-feira, 25 de janeiro, São Paulo dá um freio em seu agitado cotidiano para comemorar os 452 anos de sua fundação. Sempre que se aproxima essa data, procuro ler ou reler crônicas e poesias que colocam a cidade em primeiro plano. Desta vez retornei a um dos meus autores preferidos, Mário de Andrade, o genial poeta modernista, que nos brindava, em 1922, com uma obra-prima da literatura brasileira: Paulicéia Desvairada. Este livro de densas e belas poesias expressa a dualidade de uma metrópole feita de “cinza e ouro”, de “luz e bruma”, de tradição e ruptura, do velho e do novo, como o retratado em Paisagem Nº4.
“(..)Os caminhões rodando, as carroças rodando,
rápidas as ruas se desenrolando,
rumor surdo e rouco, estrépitos, estalidos…
E o largo coro de ouro das sacas de café!… (…)
Oh! este orgulho máximo de ser paulistanamente!!!”
Neste feriado, que divide a semana paulistana em duas metades, seria oportuno pegar carona nas estrofes do poeta para destilarmos um pouco esse nosso dualismo com a cidade. Seja no Jaguaré, Lapa ou Leopoldina, bairros onde moramos, nos deparamos, de um lado, com cinzas e brumas que nos incomodam. Por outro, nos encantamos e nos deixamos seduzir por ouro e luzes de uma paisagem urbana cosmopolita e polifônica. Se nos incomodamos com o frio concreto de pontes e viadutos, buscamos refúgios no verde de um parque, onde podemos brincar com nossas crianças, ou em ruas arborizadas, que nos convidam para uma descontraída caminhada, em grupo ou mesmo solitária.
Se nos incomoda o ronco dos motores que entram sem pedir licença pelas janelas de nossos quartos, logo ao amanhecer, buscamos compensar a barulheira com o gorjear dos pássaros, aninhadaos mansamente fizeram nas árvores que emolduram as fachadas de nossas casas.
Podemos achar estranho a ruptura proposta por uma arquitetura pós-moderna, com a qual nos deparamos ao cruzar diariamente ruas e avenidas. Mas no fundo aceitamos e sabemos conviver plenamente com essa pluralidade de estilos.
Em pleno século XXI, a nossa Paulicéia continua, desvairadamente, a nos lançar esse eterno desafio de saber lidar com as contradições inerentes a uma metrópole. Com São Paulo sempre manteremos essa relação de amor e ódio, ao mesmo tempo em que, a exemplo do poeta, nos orgulhamos de paulistanamente nela viver.