Estamos longe de viver em um mundo ideal e a perfeição é algo utópico. Problemas existem para todos, em maior ou menor grau. Também sabemos que qualquer pessoa pode ser acometida por uma doença, independentemente de sua classe social ou origem, e isso é válido para a dependência química. A diferença é que quem vive em uma condição mais privilegiada contará com uma estrutura muito melhor na hora de buscar o tratamento. Não cabe aqui tentar explicar os mecanismos que fazem os seres humanos buscarem fugas da realidade e o porquê algumas pessoas conseguem ter controle de hábitos considerados não saudáveis enquanto outras sucumbem a eles. O que podemos dizer é que não se trata de uma falha de caráter, falta de força de vontade ou fé. É uma doença.
E quando a dependência é notada em um grupo considerável de pessoas que também compartilham outros problemas, vivendo à margem da sociedade, isso se torna uma questão de política de saúde e social. Há muitos anos a cracolândia é um problema na cidade. Muitas gestões já tentaram lidar com ela, utilizando as mais diversas abordagens, das mais humanizadas às cruéis, mas ninguém conseguiu solucionar.
Ao buscar a definição de “dignidade” no dicionário encontramos sinônimos como honra, nobreza e respeito, mas na Constituição Federal entende-se dignidade como a garantia das necessidades vitais de cada indivíduo. E é nisso que falhamos. Vivemos em uma cidade em que ninguém deveria morrer por causa do frio, mas isso acontece. A oferta do acolhimento voluntário é um serviço necessário, mas está longe de ser o ideal ou considerar as variadas necessidades da população em situação de rua. Não faz sentido separar famílias, não aceitar animais, não garantir segurança para os pertences dos acolhidos ou oferecer estruturas precárias com mofo, colchões finos e banheiros insalubres, para citar alguns exemplos. Para estar em um lugar onde a dignidade não é respeitada, a rua e a liberdade acabam tendo um apelo maior.
Não podemos comparar o que acontece no centro da cidade com o que vemos na região, mas temos problemas aqui tanto em relação à dependência química como à preferência por ficar na rua ao invés dos equipamentos. Pela alta demanda, ampliar a estrutura e melhorar a existente seria essencial. Discutir um projeto de se criar um camping como medida paliativa, algo já feito em outros países, ou se um clube municipal é adequado para uso de acolhimento emergencial são debates válidos que toda a sociedade deveria participar. Talvez leve anos para encontrarmos uma solução que não será perfeita, mas possível. O que não podemos aceitar é que pessoas sejam submetidas a ambientes e condições sem dignidade alguma.