Raquel Gallinati, diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil e mestre em Filosofia
O clichê de que a polícia só enxuga gelo reflete uma visão simplista, quase cruel, de um trabalho que exige coragem, sacrifício e fé. Para quem veste uma farda, carrega um distintivo no peito ou se posiciona na linha de frente, o trabalho nunca é apenas “enxugar gelo”. É muito mais: é prevenir, proteger, manter a ordem e, muitas vezes, salvar vidas em meio a um sistema que frequentemente emperra.
A cada abordagem, a cada prisão, a cada criminoso retirado das ruas, a mensagem é clara: existe quem se importe, quem lute, quem acredite que é possível melhorar, mesmo enfrentando as adversidades de leis frágeis, prisões que não se sustentam e uma estrutura que muitas vezes não acompanha a complexidade do crime.
Desistir não é uma opção. E, sem resistência, não haverá quem impeça o caos. É justamente isso que distingue quem atua na linha de frente: a convicção de que cada gesto importa. Não por vaidade, ou reconhecimento, mas pela certeza de que a segurança é construída dia após dia, mesmo que em pequenos atos, muitas vezes invisíveis e sem aplausos.
No fim, talvez o trabalho da polícia não seja “enxugar gelo”. Talvez seja, na verdade, impedir que ele derreta e afogue a todos nós.