Ressurge a voz de Villas-Bôas

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Por Eduardo Fiora

Num país que ainda se permite viver situações sociais como a morte por inanição dos indiozinhos de Mato Grosso do Sul, em março deste ano, o lançamento do livro Orlando Villas Bôas – História e Causo ( autobiografia póstuma do indigenista morto em 2002 )convida a sociedade brasileira a rever, urgentemente,
os conceitos de cidadania e de respeito ao próximo. Das páginas dessa obra da Editora FTD, a voz de Orlando surge firme a nos lembrar que “na maior parte das vezes, o índio foi visto como empecilho ao desenvolvimento do país, sem que nos déssemos conta de que eles nos cederam um continente para que nos tornássemos uma nação”.
Essa frase, pronunciada durante os trabalhos da Assembléia Constituinte em 1998, abre o capítulo Política Indigenista. Nele, o autor passa em revista momentos marcantes da história do Brasil, como as expedições do Marechal Rondon em defesa das populações indígenas, nas primeiras décadas do século passado e a criação da Funai, em 1967. Mas é no tópico Integração, que Orlando Villas Bôas, como se estivesse concedendo uma entrevista na sua aconchegante casa no Alto da Lapa, vai a fundo em perguntas que insistem em não se calar. Assim, Villas Bôas, nos traz não uma distante realidade amazônica ou matogrossense, mas o próprio cotidiano paulistano das Zonas Sul e Oeste, convidando-nos a refletir: “que integração foi dada aos índios Pancararu, que vivem na favela do Morumbi, em São Paulo? Que perspectivas têm os grupos que vivem na região do Pico do Jaraguá e Parelheiros? Não creio que seja possível dizer que eles estejam participando da sociedade nacional, a não ser em condição marginal. Depois de quinhentos anos, esses índios ainda não participam da sociedade brasileira”.
Mas o próprio indigenista aponta uma luz no fim do túnel, defendendo não a “farsa de uma integração” -, cujo objetivo seria apenas integrar os índios para tomar-lhes suas terras – mas um justo processo de aculturação, que não faça “desaparecer o mundo mítico dos índios, nem sua organização social”. E cita como exemplo, uma região que conheceu como ninguém: o Xingu. “Em contraste com a realidade desses índios, a situação dos xinguamos sempre foi infinitamente melhor. Lá os índios ainda vivem na força de sua cultura, livres das pressões desagregadoras que a sociedade exerce sobre os índios destribalizados. (…) No Xingu, os índios utilizam ferramenta e utensílios nossos e, no entanto, permanecem com a mesma unidade tribal, com seu mundo mítico em pleno vigor. (…) Sem que haja uma etapa prévia que permita aos índios adquirir consciência do que está envolvido no processo integrativo, esse processo vira uma farsa. Ninguém pode, nem deve impedir o índio de se integrar à nossa sociedade, se essa for a vontade dele. Contudo, ao índio precisa ser permitido entender que, sem sua cultura, ele desaparece”.

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