Sentir empatia em uma narrativa construída é muito mais fácil do que exercê-la nas situações que nos afetam. Ao pensar nos capitães da areia de Jorge Amado, crianças sem família que cometiam crimes para sua sobrevivência em condições extremamente adversas, mas que nunca perderam os sonhos e aspirações de um futuro melhor, é natural se solidarizar. Porém, sentir essa empatia quando você é a vítima de um crime ou familiar de alguém que morreu em um latrocínio cometido por um menor de idade, nem sempre é tão fácil.
Construções literárias à parte, é impossível não criar um paralelo entre as personagens do autor baiano e os jovens que passam por medidas socioeducativas na Fundação Casa que temos na região. Qual o impacto na vida de uma criança cuja infância se passou na cracolândia, exposta ao tráfico, violência e prostituição? Ou daquela que simplesmente é rejeitada pela própria mãe, figura da qual se espera um amor incondicional?
Esses são apenas alguns dos perfis de jovens que hoje estão na fundação que fica na Vila Leopoldina. Ao conhecer seu histórico e as marcas de uma vida que nunca foi fácil, é possível compreender o que os levou a cometer os delitos. Da mesma forma que é ruim sair de casa e sentir insegurança, medo de ser roubado ou assassinado, reclamações muito presentes nas reuniões de segurança realizadas nos bairros da Lapa, é também muito negativo saber que ainda existem, seja por motivos históricos ou pela injustificável desigualdade social que permanece em nossa sociedade, crianças e jovens que entram no mundo do crime pela falta de estrutura.
É fácil optar pelo que é correto e honesto quando se vive com dignidade e, principalmente, quando existe a oportunidade de fazer o que é certo. A maioria desses meninos não a tiveram. Muito se fala sobre a importância dos avanços e melhoria na economia, mas é fundamental que, junto a isso, se promova a reinserção social desses jovens. É bom para eles, que poderão ter a chance de uma vida correta e tranquila, e para todos nós, que vivemos sempre com a sombra da violência à espreita.
Reclamar da presença de suspeitos para a subprefeitura, denunciar locais na vizinhança onde sabemos que há consumo e venda de drogas, pedir policiamento para afastar de nossas casas aqueles que representam o perigo e, assim, sentir uma relativa sensação de segurança, é apenas um paliativo. Sem que sejam criadas condições reais de recuperação, esses jovens ou regressarão ao crime e serão novamente uma ameaça, ou passarão a vida institucionalizados. Para sermos a sociedade que desejamos, todos devem ter chances.