A realidade das ruas é bem diferente das conversas e blá-blá-blá que a gente escuta por aí. A salvação de muitos é que existem pessoas e entidades incomodadas com a condição desumana de quem – por desavença familiar, problema conjugal ou drogas – vive ao relento. Eles acabam por dividir comida, roupas ou cobertores e atenção entre os mais necessitados. Ao mesmo tempo, o ato que ajuda também, sem querer, gera desperdício e transtorno em muitos casos. Tem morador de rua que recebe tantas doações que coleciona dezenas de mantas enquanto outros morrem de frio. Depois deixam a montanha de cobertas pelas calçadas, obstruindo a passagem de pedestre. Não é uma crítica, mas uma reflexão de um cenário revelado durante a ação de zeladoria (limpeza) da Subprefeitura Lapa essa semana, na Leopoldina.
As iniciativas da sociedade são muitas, mas a solução parece distante. No último senso de população de rua, de 2015, a cidade tinha 15.905 moradores de rua. Triste cenário é o encontrado na Avenida Gastão Vidigal onde dezenas e dezenas de pessoas se amontoam pela facilidade de fazer “bicos” e a fartura de alimentos da Ceagesp. A região também tem a facilidade de oferta de drogas – principalmente de álcool e crack – que arrasta cada vez mais jovens para o caos.
A política da Prefeitura de atendimento a população de rua mostra que apesar do empenho de alguns dos serviços como assistência social, saúde e zeladoria, está longe do ideal. É preciso criar uma política para tirar as pessoas da sarjeta ofertando principalmente emprego e moradia. A maioria que permanece pelas ruas recusa o convite da assistente social para dormir em albergues e aponta problemas de limpeza e contaminação por doenças como tuberculose.
Ricardo Ferreira é um pernambucano de 32 anos que está com o braço e o pulso deslocado e mão cortada de tanto puxar carroça para ganhar uns trocados. Ele reclama de dor, mas continua sua saga nas ruas. Evita falar da esposa e lembra que em Petrolina a família tem pelo menos três lojas, mas optou por largar tudo e viver nas ruas. Não fala o motivo, mas logo diz se tiver oportunidade – com um lugar quente para dormir e um banheiro para tomar banho – deixa as ruas.
Uma jovem de pele e olhos claros, de uns 25 anos, que andava com Ricardo, chamou atenção ao juntar cobertores e todo tipo de objetos em uma carroça. Glaucia é o nome dela. Morou em Perdizes e foi casada, mas passou sua gravidez perambulando nas ruas da Leopoldina. Ela se emociona ao falar do filho que após o nascimento ficou com uma irmã. Seja qual for o motivo, a vida na rua afasta as pessoas da família.
Essa semana a Subprefeitura Lapa iniciou a ação de zeladoria, de limpeza, das calçadas e canteiro da Avenida Gastão Vidigal com base nas diretrizes do novo decreto do prefeito Haddad que determina que agentes públicos tratem com respeito a população em situação de rua durante as operações, mas talvez pela vida difícil os moradores de rua foram hostis com os agentes públicos. Depois da retirada de toneladas de móveis, entulhos e lixo, os moradores de rua voltaram para o mesmo lugar. E assim se enxuga gelo enquanto o poder público não cria uma política que aponte a saída para a dura realidade das ruas.