A mensagem que temos visto nas propagandas e jornais é a de que devemos ficar em casa para logo mais estarmos juntos novamente. Apesar da proposta de dar algum alento nesse momento tão difícil que vivemos, além de ser realmente importante ficar em casa agora, é de se pensar se de fato o mundo para o qual vamos voltar após a pandemia será o mesmo. Eu creio que não.
Sempre haverá a possibilidade de um novo vírus surgir ou os existentes passarem por uma mutação. O trauma de reviver o que tem sido esse período será um fantasma que irá nos assombrar.
Essa pandemia fez uma mudança profunda na nossa cultura. É difícil imaginar pessoas tranquilas em um restaurante por quilo, por exemplo, onde apesar de já existirem recomendações sanitárias, era bastante comum ver pessoas falando por cima da comida e tocando nos mesmos talheres de servir. Pensar nisso hoje dá até arrepio, apesar do self-service ser um formato muito bom, que evita o desperdício. Caixas em supermercados manipulando nossas compras e dinheiro, por favor não. E quantas vezes nos encontramos no dilema de encarar um ônibus ou vagão do metrô cheio e chegar mais cedo em casa ou esperar o próximo mais vazio e chegar mais tarde? Com o rodízio mais restritivo voltamos ao debate de transporte individual versus coletivo e esbarramos também nos problemas de mobilidade na cidade.
Para além da cultura, tudo isso passa por política. É lógico que adotar hábitos higiênicos só tem vantagens, mas precisamos de uma cidade que tenha uma estrutura onde não seja tão difícil exercer esses hábitos. Se com a pandemia ainda teremos eleições municipais ou se elas serão prorrogadas eu não sei, mas que o orçamento de 2021 deverá ser discutido é fato. Inclusive, as audiências sobre isso começam esse sábado (16), de forma virtual.
Mas como discutir o planejamento orçamentário do ano que vem se agora mesmo está difícil acompanhar todos os gastos públicos com ações emergenciais, hospitais de campanha, entre outros protocolos que foram derrubados diante do cenário de calamidade? Como controlar desvios e superfaturamento? Como pensar em orçamento da cidade para 2021 se você for um pequeno comerciante que não sabe se seu negócio vai chegar ao fim do mês? Muito difícil.
Não, não devemos sair de casa para cobrar transparência em tudo que está sendo feito durante a quarentena. Podemos fazer isso on-line, acompanhar e cobrar todos, sejam entes públicos ou privados. Além de instaurar melhores hábitos de higiene, a pandemia revelou a postura de políticos, empresários e entidades em um cenário de crise. Não podemos esquecer quem foi solidário e quem foi egoísta.