Playground e calçadas

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É comum, como fazem as mães da City Lapa, reclamarmos da falta de equipamentos para nossas crianças nas praças públicas que nos rodeiam. Mas quem lê as observações da norte-americana Jane Jacobs no livro Morte e Vida de Grandes Cidades, tem a oportunidade de refletir sobre um outro espaço urbano que se contrapõe ao próprio conceito de playground: as calçadas.
Ao defender apaixonadamente a livre ocupação do passeio público pela garotada, como acontecia nos bairros da gente de outrora, Jane faz uma crítica aos urbanistas modernos, que “parecem não perceber quão grande é a quantidade de adultos necessária para cuidar de crianças brincando. Parecem também não entender que espaço e equipamentos não cuidam de crianças. Estes podem ser complementos úteis, mas só pessoas cuidam de crianças e as incorporam à sociedade civilizada”.
Em outras palavras, a autora insiste que é uma tremenda neurose urbana proibir as crianças de brincarem nas calçadas, permitindo isso apenas em áreas confinadas como parques e playgrounds, por considerá-las mais seguras.
É que ela sonha com bairros mais humanos. Bairros com largas calçadas ocupadas por seres humanos solidários, capazes de cuidar das crianças que naturalmente se divertem correndo ou andando de bicicleta, por exemplo, mesmo que não tenham com elas relação de parentesco. Ou seja, uma vida local centrada na convivência comunitária: “as pessoas devem assumir um pouquinho de responsabilidade pública pelas outras, mesmo que não tenham relações com elas”, defende Jane.
Claro que entre a utopia da especialista em urbanismo e a realidade concreta das nossas esquinas existe um colossal abismo. Dificilmente vamos encontrar crianças brincando nas calçadas ricas e incluídas socialmente como no Alto da Lapa. Quanto menos encontraremos olhos atentos e vigilantes de alguém que não lhes é próximo. Cena como essa poderemos ver, em parte, nas calçadas da exclusão: nas áreas de subhabitação da Lapa, Leopoldina e Jaguaré, onde a criançada brinca solta, mas igualmente não está sob a vigilância de adultos capazes de assumir a responsabilidade pelo que está acontecendo nas ruas.
O fato é que nem toda calçada é desumana. Nem todo playground é um paraíso. São apenas equipamentos. Quem tem a capacidade de lhes dar vida;moldá-los com cidadania somos nós, desde que saibamos ser “um pouquinho responsável pelos outros”.

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