O budismo como caminho para a paz interior

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O Lama Michel Rinpoche

É crescente o número de simpatizantes do budismo. No bairro, existe o Centro de Dharma da Paz Shi De Choe Tsog, associação religiosa sem fins lucrativos, fundada em 1988, que se dedica ao estudo da filosofia, à prática do budismo tibetano e ao desenvolvimento da cultura da paz. A direção espiritual é do mestre budista tibetano Venerável Lama Gangchen Tulku Rinpoche e do seu discípulo Lama Michel Rinpoche. Lama Michel mora na Itália e anualmente vem ao Brasil para ensinamentos, palestras, entre outros compromissos. Nesta entrevista, o jovem Lama, que nasceu no bairro, conta como chegou ao budismo, fala de sua vida e de como, através do budismo, se pode viver melhor e em harmonia.

Como era sua vida antes de conhecer o budismo?
Nasci em São Paulo, em 1981, e morei no Brasil até os 12 anos. Tive uma vida ótima, não tenho nada do que reclamar. Nada me faltava. Estudei na Escola Pirâmide e depois na Caravelas.

Como você chegou ao budismo? Por vontade própria?
A família do meu pai é judia. A família da minha mãe, presbiteriana cristã. No aniversário de 30 anos de minha mãe, um amigo dela apresentou um casal que conhecia o Lama Gangchen. Eles queriam trazê-lo para o Brasil e o amigo da minha mãe achou que ela seria a pessoa certa para isso.

Sua mãe topou?
Sim. Ela se informou sobre o que deveria ser feito, os custos e topou. Ele veio ministrar alguns cursos. E um mês depois o Lama chegava ao Brasil.

Ela já era budista?
Ela nem sabia o que era budismo. Ela foi olhar no mapa para saber onde ficava o Tibete (risos).

E como foi seu primeiro encontro com o Lama Gangchen?
Eu tinha cinco anos e desde a primeira vez, o impacto muito forte e tivemos uma grande empatia. Ficava horas sentado ouvindo os ensinamentos dele.

A partir daí, sua vida mudou radicalmente?
Sim. Em 1990, fui com meus pais e um grupo de pessoas mais o Lama Gangchen fazer uma peregrinação pelos locais sagrados do budismo na Índia. Onde Buda nasceu, viveu, onde ele atingiu a iluminação, grandes monastérios de práticas budistas. A viagem durou três meses. E fomos até o Nepal.

Mas você já era um Lama?
Não. Até então eu vivia uma vida normal. Naquela viagem já haviam me dito que eu seria uma reencarnação de um mestre tibetano. Eu falei: “muito bem, obrigado”. Não acreditei. Sempre fui cético quanto a isso.

O que o fez mudar?
Por volta dos doze anos, foi um processo. Eu pensei: estudo matemática, geografia, inglês, português, história… para quê? A única resposta que encontrei foi: estudo tudo isso para que eu possa terminar a escola – eu estava na 5ª série…

Você tinha planos de seguir alguma carreira?
Não. Sempre gostei muito de tecnologia. Uso computadores desde os seis anos. Mas não tinha nenhum tipo de plano ou de sonho.

O que aconteceu?
Eu via que as pessoas que eu conhecia tinham dinheiro, tinham um bom trabalho, faziam o que gostavam… mas viviam reclamando, sempre insatisfeitas. Desde pequeno, sempre gostei de ficar com os adultos, escutando a conversa deles. Por mais bem realizado materialmente, a pessoa sempre reclamava. Por outro lado, sempre que eu via o Lama Gangchen, ele sempre estava feliz, satisfeito. Aí eu pensei: “eu quero ser como ele!”.

Quando você decidiu que queria seguir o budismo?
Em uma viagem à Indonésia, aos templos mais sagrados do budismo, na Ilha de Java. Foi lá que eu tomei a decisão. Decidi estudar o budismo, queria ir para um monastério e seguir esse caminho.

Seus pais apoiaram?
Sim. Deram um grande suporte. Meu pai ficou lá comigo por quase dois anos.

Você queria ser um monge?
Na verdade, o monge é uma pessoa que toma votos. São votos monásticos, que é uma escolha pessoal. Lá, eu estava estudando para aprender e ensinar o budismo. Foram doze anos de estudo.

Foi nessa época que você se tornou um lama?
Sim. Digamos que foi lá que isso foi oficializado. Segundo a tradição tibetana, quando alguém é reconhecido como uma reencarnação de um lama, acontece uma cerimônia na qual se repassam todas as responsabilidades da vida passada para esta vida. Eu dei continuidade ao trabalho espiritual da outra vida.

Você tem vida pessoal?
Na verdade, o que ocorre e pode parecer estranho é que eu não tenho um diferencial entre a vida particular e a religiosa. É tudo uma coisa só. Eu não tenho dia de folga, férias, essas coisas…

Você pode e quer casar?
Não sei se vou casar ou não. Se eu quiser casar, posso continuar como lama, mas deixaria de ser monge. E se isso acontecer, eu não posso voltar a ser monge.

Como você vê a situação política do Tibete, que está ocupado pela China?
Meu compromisso com o governo chinês é de ir ao Tibete para estudar o budismo. Eu não me meto em nenhum aspecto político. Estando ou não de acordo, eu tenho de respeitar as regras do país. Estudo com os mestres que eu quero, sem problemas.

O Tibete será livre algum dia?
É uma questão extremamente complexa. O próprio Dalai Lama disse que o que ele quer é a autonomia do Tibete. Eu não gosto de política. Acho que é uma coisa suja e o que a gente vê, ouve, nem sempre é aquilo que está acontecendo. Tem muita manipulação por parte da mídia.

Como o budismo pode ajudar as pessoas?
O budismo nos ensina que não podemos mudar e transformar o mundo externo. Podemos mudar a forma de como nós nos relacionamos com ele. A realidade externa existe, porém não existe independentemente da realidade interna.

E como devemos proceder?
Problemas sempre existem e sempre vão existir. Eles devem ser resolvidos e devemos aprender algo com eles. A partir do momento que a gente aprende a se relacionar de uma maneira diferente com as dificuldades, elas podem se transformar em oportunidades de crescimento interior. O budismo nos ensina a viver o presente, a ter mais consciência com os nossos pensamentos, as nossas palavras e as nossas ações com as demais pessoas.

Qual é o seu relacionamento com o Centro de Dharma?
Quando terminei parte dos meus estudos, fiquei responsável pela parte espiritual do centro. Aqui é um oásis no meio da cidade, onde encontramos com outras pessoas que têm o mesmo ideal. Aqui compartilhamos a filosofia budista. E lembro que no budismo não existe o proselitismo. Não queremos converter ninguém.

E qual é o seu trabalho aqui?
Minha estadia é de um mês. Dou muitas aulas, faço retiros espirituais, cerimônias de cura, reuniões administrativas, encontro com as pessoas, entrevistas… isso já me toma muito tempo e fico muito ocupado.

Quem pode frequentar o Centro de Dharma?
Qualquer pessoa, de qualquer religião ou sem religião pode vir, as portas estão sempre abertas e vamos oferecer aquilo que podemos oferecer, sempre. E aquilo que a pessoa quiser receber, ela recebe.

Você já chegou ao nirvana (iluminação)?
Ainda não. Espero um dia chegar. Estamos a caminho.

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