Lapeana de trem

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JOSÉ DE OLIVEIRA JR. REPÓRTER

A vida de Maria Inês Dias Mazzoco se confunde com os trilhos do trem da São Paulo Railway (SPR). Quase todos os seus ascendentes tiveram relação direta com a ferrovia, um marco na transformação social e urbanística do bairro. O seu bisavô, Antonio Dias Carrasqueira, veio de Portugal para trabalhar com as máquinas do trem em Paranapiacaba em meados de 1870, pouco tempo depois da inauguração do circuito comercial da ferrovia SPR, com seus 139 quilômetros de extensão.
Em Paranapiacaba, Carrasqueira casou-se com uma irlandesa, chamada Virgínia O’Neill, vinda com sua família do Paraná. O bisavô de Maria Inês morreu de pneumonia aos 33 anos de idade, deixando Virgínia com 10 filhos. “Naquela época, não existia penicilina e a umidade da serra e o fogo das caldeiras provocavam problemas pulmonares”, conta a lapeana de 50 anos, nascida na Rua Guaricanga.
Um dos filhos de Virgína e Antonio Dias era seu avô, José Maria Dias, irmão do flautista João Dias Carrasqueira, famoso como o “Canarinho da Lapa”. Como Virgínia estava sozinha veio morar na Rua João Pereira, onde o imigrante português havia construído duas casas geminadas. Todos os filhos homens de Virgínia trabalharam na SPR.
Sua avó, Dolores Rodrigues, filha de um espanhol de Vigo, que veio para o Brasil para trabalhar como maquinista em Jundiaí, conheceu seu avô na Lapa, onde ficavam os pátios de manobra dos vagões.
Maria Inês se recorda de que seu avô viveu intensamente para a literatura, escrevendo poemas; música, tocando banjo na orquestra da Rede Record; arte, produzindo peças teatrais; e como ferroviário. Foi juiz de paz da Lapa, elaborando os discursos do influente político Ermano Marchetti. Chegou a ser free-lancer no Correio Paulistano. Ganhou medalhas como tenista nos clubes ingleses da cidade, entre eles o SP Railway Club, atual Nacional, localizado na Lapa de Baixo.
“Meu avô era muito eclético e ativo. Vivia para o trabalho e para sustentar os seus oito filhos. Mas também era ligado aos netos, que o rodeavam no momento em que escrevia alguma poesia em sua casa na Rua Marcílio Dias”, diz com carinho Maria Inês, que também morou na vila de ferroviários da subestação Tietê, em Pirituba até seus 16 anos. José Maria Dias Carrasqueira morreu aos 64 anos em 1966.
A parte paterna da família de Maria Inês é de origem italiana. Pedro Mazzoco veio de Veneza para São José do Rio Preto para trabalhar na lavoura de café. Sua avó paterna, Ema Berti, era natural de Treviso. Como os negócios com o plantio estavam em baixa, Pedro e Ema resolveram trabalhar numa padaria, localizada na Praça Cívica, na Lapa. O pai de Maria Inês, Leonildo Mazzoco, nasceu em 1925 e começou a trabalhar na ferrovia na década de 1940, chegando a ser presidente da Associação dos Funcionários da Santos-Jundiaí. Leonildo e a mãe de Maria Inês, Hebe Maria Dias, se conheceram no bairro. Hebe foi atriz de Teatro da Mútua, que ficava na Rua João Pereira.
Em 1978, Maria Inês iniciou sua carreira na ferrovia, como bibliotecária do departamento jurídico. “Aqui vi muitos amigos da minha família, como o advogado Milton Basaglia, muito ligado ao meu pai”, recorda a lapeana, que atualmente luta como coordenadora de Preservação do Patrimônio Ferroviário de São Paulo.

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