Chão de flores

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O trabalho voluntário de uma moradora da Lapa serve de exemplo para muitos que só reclamam das montanhas de lixo despejadas pelas esquinas, praças e calçadas. Aos 75 anos Angela Soranz Saragiotto, conhecida como tia Angela entre amigos e vizinhos, dá uma lição de cidadania. Viúva ainda jovem, ela teve que trabalhar. Encontrou na pintura em porcelana o dom artístico que desenvolve há mais de 40 anos. Todos os dias ela se aperfeiçoa na arte da pintura e de cidadão. Cansada de ver pichações no muro que divide a rua onde mora, a Diogo Ortiz, da linha férrea da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitana), tia Angela transferiu traços e flores que usa em suas porcelanas para o trecho do muro em frente sua casa. Foi um teste.

A pintura dos painéis deu novo colorido ao local e chamou atenção de outros moradores que se inspiram na iniciativa da artista e já se arriscam no trabalho. Pedestres elogiaram sua obra voluntária. A reação do público deu ânimo a tia Angela. Ela resolveu usar os pincéis e restos de tinta de seu trabalho em outra parte do muro da ferrovia, conhecido como ponto viciado de descarte irregular de lixo e entulho. A maioria dos porcalhões usa o bairro para o descarte de todo tipo de material na madrugada, difícil identificar os autores do crime ambiental. A artista conta que a associação de moradores (Amocity) já fez mutirões de limpeza e a subprefeitura sempre é acionada para retirar as montanhas de entulhos, pneus e móveis velhos, mas pouco depois novos objetos e lixo surgem no mesmo local, como num passe de mágica.

Sua expectativa era que com a pintura do muro acabasse o problema; amenizou, mas não resolveu. Então ela aproveitou que a CPTM refez a calçada e pintou flores também no chão, antes que alguém despejasse nova carga de lixo no local. Parece que deu certo. No trecho da calçada do muro da ferrovia (de frente para Praça José Coelho) não descartaram mais nada. O que mostra que até os sujões aprovaram a iniciativa de tia Angela. É verdade que a calçada mais a frente, sem suas flores, a situação de descarte continua, mas se depender de Tia Angela, por pouco tempo. “Vou pintar mais (calçada) e eles não vão ter mais onde colocar o lixo”, afirma a artista.

Quem sabe, Tia Angela sirva de inspiração para resolver outros pontos viciados como o local do antigo PEV ao lado do Pelezão, que virou um desses locais consagrados para descarte de todo tipo de lixo, entulho, móveis e aparelhos velhos. O espaço perdeu a caixa de coleta de recicláveis, mas seu rico “lixo” atrai técnicos e catadores que garimpam peças entre o material deixado no local. Resultado: fica tudo espalhado.

Mesmo com o quadro caótica, muita gente insiste em fazer o descarte irregular, perdemos todos com isso. Ganhamos quando encontramos exemplos transformadores como o da moradora da Rua Diogo Ortiz. Uma frase de Tia Angela lembra que o lixo que uma pessoa joga no chão, não fala, mas diz muito do que ela é. O seu ato de cidadania e a disposição em deixar o lugar mais bonito e agradável serve de reflexão, inclusive para o poder público. Tia Angela queria ficar anônima, mas sua iniciativa voluntária de esparramar flores no chão a fez admirada e famosa na comunidade.

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